BUKKAKE

FORMIGUEIRO


Por vinte dias, a metrópole de Campo Dourado, se encontra em uma situação comicamente (ou não) interessante. A cidade inteira, sem alguma excessão, se encontra em engarrafamento. Norte a sul, leste a oeste, todas as ruas, becos, ruelas, viadutos, pontes etc. Engarrafados. Geógrafos, sociólogos e tudo logos ignorantes tentam compreender o que de fato desencadeou este interessante, e inesperado evento, que só pôde ocorrer por decorrência das 4? - 5?, 6?- revoluções industriais que o ser humano já teve de passar nas ultimas centenas de anos de capitalismo. Era de se esperar, acredito eu. Algo comicamente previsivel que pouco se comenta, e de certa forma, se ignora por medo. Em algum ponto não haveria mais como criar novos viadutos, ou pensar a nova "Solução genial!" Para os problemas da sociedade contemporânea. Mas enfim, estou divagando. O fato é, sete dias atrás, fui acordado com uma visão apocalíptica!

5 horas, 34 minutos e 10 segundos da manhã do dia 31 de fevereiro fui acordado com uma sonoridade que apenas poderia descrever como uma invasão do último andar dos infernos à terra. Fui ver o que havia ocorrido de minha janela e fui surpreendido com uma concentração incontável de carros em linha reta! Aonde eu olhava via os automóveis! Era incompreensivel! É uma visão que traz consigo uma série de reflexões inconclusivas (ou não) (ou sim) (depende de seu compasso político) de como chegamos a este ponto como espécie. As buzinas incontroláveis perduraram por uma eternidade, de fato era como uma harmonia satânica. Um anuncio que, de fato, Deus havia nos abandonados. Mas este é apenas o comentário de um velho religioso, admito. Dali eu conseguia ver o carro de alguns vizinhos meus, um que sempre se destacava na rua era o de um rapaz do décimo andar, Eduardo Dias. Eduardo é um rapaz jovem - 20 a 22 anos - e parece até ser mais novo. O que interessa sobre ele é sua riqueza, tão jovem. O que ele diz a seus vizinhos, amigos e familiares é que trabalha em uma startup de sucesso. Mas a realidade é que é um golpista do mais baixo nível, e todos sabem disso. Escolhemos ignorar, para não causar conflito. É um simples esquema de pirâmide que se aproveita de inocentes (para não dizer burros, ou descuidados) empresários. Já é bem conhecido entre os moradores dos prédios, mas como disse, optamos por não fazer nada, para evitar conflitos. Mas que coisa! Divaguei novamente! O seu carro! O que de fato atrai tanto em seu carro? É um carro esportivo. Um daqueles que não tem utilidade alguma em uma cidade como esta, tão cheia de engarrafamentos e viadutos cheios, é realmente uma decisão estupida. Uma tentativa de luxo que atrai os olhos somente pela absoluta ignorância que a levou a ser feita por um, de uma forma ou de outra, adolescente com muito dinheiro.

Outro vizinho meu que tem destaque é Kleber José e o eterno barulho que circula sua presença com sua esposa, Heloísa, e filhos - William, Valentina e Enzo. Kleber e Heloísa são novos demais para toda essa confusão que se colocaram, apesar de ambos terem 47 e 45 anos. Kleber é um homem de pavio curto que pouco segura sua raiva e Heloísa, bem, é exatamente a mesma coisa. Veem como há aí um problema? Pois bem. Sinto uma pena enorme da pobre empregada que deve lidar com eles, Juliana. Os horrores que eu ouvi sendo ditos à ela por aqueles 2 são de um caráter indescritíveis. Mas que surpresa há? Humilhados por pilhas e mais pilhas de contas, patrões enfurecidos, mães histéricas e a comum – Mas irritante – teimosia infantil, é evidente que iriam descontar naquela pobre moça. O que de fato os destacou do resto foi o fato que a coitada Juliana, em preocupação com os pobres infantes trancados naquele carro, vinha trazendo alimento e combustível aquela humunculosa família. E isto, na realidade, viria a trazer uma interessantíssima consequência. Criou-se um mercado! Juliana passou a ser paga por inúmeros carros a trazer necessidades básicas ao longo dos dias, incluindo Eduardo. O caso só se tornava mais interessante! Uma espécie de sociedade passou a ser produzida ali (enquanto se produziam o dobro de CO2 do que o comum). Juliana passou a trabalhar em conjunto à sua família com um estoque de produtos e uma margem de lucros. E tudo passou a tornar-se mais interessante com o surgimento de competição. Eu via ali, diante de meus olhos, a criação da mais esdrúxula bolha comercial do século 21. Incluindo um eventual sistema de esgoto digno de um medievo, qual descreverei depois na devida hora.

Chamo de bolha comercial, pois é evidente que em algum momento o dinheiro daquelas pessoas iria acabar. Daí o delírio coletivo tornou-se ainda mais interessante à minha pessoa: Será que aqueles mimados e pançudos sujeitos iriam suportar à fome dentro daqueles pequenos veículos? Será que iriam aguentar o cheiro de suor e esterco que seus veículos e a rua ao seu redor inevitavelmente se encontrariam? Nesta dúvida, toda a cena se tornou um meio de entretenimento para mim. Sim, um entretenimento cruel, mas, mesmo assim, engraçado. Era como assistir um formigueiro. Uma pequena sociedade desenvolvendo diante de meus olhos.

Como eu havia dito, desenvolveu-se uma espécie de sistema de esgoto medieval nesse engarrafamento. Eu chamo de medieval pois tudo era jogado na rua e recolhido após isso. Acho que um leitor que compreende avanço urbano e química o suficiente vai saber os riscos erosivos, químicos e olfativos que esse processo causava. Se tornou dificil sair na rua e não demoraram a ter alguns mortos pontando aqui e ali, e depois acolá. Alguns de enjoo, outros de problemas respiratório, fome, calor, ataque cardíaco, suicídio, ingestão de químicos... Muito rápido, mas ao mesmo tempo muito lento.

de Israel B. Cavalcanti


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