As primeiras vi no céu, como acontece demais, e em segundo soube das do mar, antes de ver mesmo debaixo de mim. Mas demorou bem mais pra pensar nas estrelas terrestres. Não falo das cadentes, não são estrelas. Não duramos com tantas estrelas caindo. Por estrelas da terra eu falo das carambolas, e esclareço porque não se nota logo de cara que são estrelas. O jeito que nascem puxadas pra baixo e longas como uma mão grande fazem parecer bananas dentadas de longe. Não se nasce debaixo de um pé de carambola, não um desses. Pode-se tê-los numa casa, e acordar debaixo deles dentro dela, mas dentro dela ninguém deve nascer. Quando se acorda, ou quando se vai pra debaixo do pé ver o seu abrigo, também se olha pra cima, e o que se vê, é o mesmo que quando se corta a colhida na tábua e a fatia cai deitada. As estrelas-do-mar não têm mesmo como irem mais pra baixo, precisam ser fatias, pra se prenderem ao fundo e moverem seus dentes de banana. Se fossem longas como as carambolas, iriam até o toque de todas no fundo de todos os fundos, onde todas elas e todos eles se encontram, os que afundam até o final. Se encontrando, se entenderiam, e ligariam as pontas de todas as estrelas no fundo de todos os mares. Isso não acontece, as estrelas-do-mar ainda flutuam e são levadas pelas correntes. Só com uma condição isso vai um dia acontecer. Esse jeito das carambolas nascerem do pé viradas pra baixo, no formato de estrelas quando se vai pra onde se viram, e o consentimento do risco de uma das maduras te atingir enquanto no chão debaixo delas diz bastante da natureza das estrelas do céu. Elas também, nascem de pés, pés que também nascem da terra, e também já cresceram até onde podiam com suas copas estourando de folhas pretas, roxas, laranjas, brancas, amarelas, rosas, vermelhas, verdes… mas principalmente azuis, claro e escuro. Assim que cresceram o quanto puderam, começaram a dar frutos, a estação das carambolas que agora vemos daqui de baixo. Mas pra as vermos, elas tiveram que amadurecer, delas a luz vindo na sua velocidade até chegarem aqui. Naturalmente todas essas estrelas penduradas ficarão podres de vez e despencarão do pé. Como já chegaram aqui em baixo, e vemos que a terra gira voltas completas sem voltar, torcendo a luz dessas frutas celestes, quem sabe não passarão do ponto quando forem enfim torcidas demais, e arrancadas dos galhos. Não há tempo para chegarem, não se engane e diga que estão no céu, se seus brilhos nós vemos quando olhamos, há muito são impressos em nossos próprios olhos. Suas pontas de baixo tocarão o chão no mesmo minuto, e a partir daí cairá o resto de suas luzes, as pontas de cima puxando um vácuo enquanto caem e apagam nossas luzes noturnas como sua chegada. O tempo que levarão pra chegarem aqui será o da luz, o mesmo que as primeiras estrelas demoraram pra ser vistas da sua terra. Enquanto vêm, as estrelas-do-mar tratarão de se prender ao fundo dele e irem até o fundo mais fundo. Assim que chegarem, todas em só um tempo, as estrelas do céu terminarão de cair, apagarão de vez e soltarão o vácuo da sua descida, soltando mais uma vez o farfalhar de folhas mais alto no breu de um céu sem estrelas. Terminadas de cair as celestes, todas as carambolas orgânicas suspensas em seus pés sucumbirão à gravidade, e ao som da última que bater no piso, as estrelas-do-mar, que despencaram adiantadas da sua suspensão, vão partir até se acharem, quando poderá enfim germinar de novo na terra o que quer que seja que os pés de estrela puxam com as raízes, levam nos troncos entre o plano e as copas e distribuem nos ramos pra nascerem novas luzes. A descida delas é evidente, as vemos de primeira mão, e isso basta pra que se saiba que estão na terra, no chão, porque mesmo se cavamos cavernas debaixo dele e deixamos a abertura destampada, ainda enxergamos os holofotes. É com essa prova que trabalho descendo eu mesmo o mais fundo que posso ao redor do nosso chão circular. Quero que as luzes dos astros alcancem onde alcançaram jamais, toda noite interrompidas pela opacidade da superfície. O caminho até o centro não é reto pra mim, embora seja pra elas. Sendo assim, vagando na horizontal, as consigo acompanhar com um jogo de espelhos que, cheios de seus tantos olhos, enxergam qualquer brilho e o mostram ao seguinte sem sair do lugar. Como sou um tanto mais lerdo que a luz, assim que a redireciono, está feita até a próxima rua-sem-saída. Às vezes concordo, ora discordo dessa cidade. Ou viro na última saída ou derrubo o muro em frente, já que debaixo do chão nunca são casas. No primeiro momento do brilho da carambola que trouxe comigo penetrar no fundo dos fundos, não só ela, mas todas as que já podíamos ver se colarão no mundo, seus raios em feixes com finuras que nem as delas, e povoarão primeiro a terra com linhas retas que terminarão em pontinhos. Isso é, enquanto a terra não tenha rodado tanto. Daí então, essas tais linhas serão puxadas pelos pontos ancorados e traçarão curvas no ar, e o céu arrastará seus pontos brilhosos em listras que não veremos apagar. Nossas famílias de depois verão, porque quando as carambolas forem torcidas demais, se desprenderão lá dos cimas e dos altos, e se contarmos o período da viagem, quem sabe saibamos enfim o tamanho do céu. Não mais luz, serão as estrelas que chegam na outra ponta, e dentro delas as sementes pros pés cósmicos de carambola se alimentarem dos seus frutos e gerar novas. Portanto deve-se demarcar os pontos onde as luzes das estrelas primeiro chegaram na superfície, porque as carambolas cadentes seguirão fielmente o tracejado branco torcido até depois que se soltarem das copas, e aterrissarão nos mesmíssimos pontos onde foram primeiro projetadas. Onde tenha sido apontado, se deverá deixar a terra descoberta, e cavados buracos tão fundos quanto se possa, pra que as sementes vinguem firmes. A que mais importará, porém, será a que chegar ao fundo do fundo dos fundos, e plantará um pé que crescerá do meio ao topo de onde já se chegou. Esses pés de carambola do céu têm um tempo distinto do nosso, também não passa despercebido. Nota-se pelo alaranjamento, azulamento e embranquecimento diário das suas folhas, que ensinam que em um dia nosso, eles já passaram por todas as suas estações, sejam quais forem. Se pode até pensar em como as estrelas não começaram ainda a serem puxadas se comprovamos na prática que já chegaram no chão. Acontece que não estão coladas ainda, isso só virá com a que chegar ao núcleo, momento em que sinalizarão seus pontos de aterrissagem enquanto indicam a todos os que as vêem o que deve ser feito, àqueles que acreditarão que só chegaram suas luzes nesse instante, pois não vêem que chegaram a seus olhos, não ao céu que vemos, milênios atrás. Será a segunda semeadura, já estando muito atrasada. A primeira não teve problemas porque a superfície ainda era demais perto do núcleo, mas o emaranhado de raízes protegeu lá dentro de todo nascimento e toda morte. Germinou algo aqui em cima que já desistiu de dar frutos e essas pragas mereciam ser arrancadas. Como não posso ter o prazer de desterrar uma a uma, vale a reforma geral. Terra arada, outras sementes, o quieto e o preto pelos que o jardim desesperadamente implora.